quarta-feira, 15 de julho de 2009

Cachorro Grande fala sobre Cinema, Patti Smith e música

Chegamos ao local combinado com a assessoria da Deck uns dez minutos antes do horário marcado. Um jornalista (do Terra?) saia da sala onde se encontravam o vocalista Beto Bruno e o Guitarrista Marcelo Gross e se despedia dizendo "acho que ficou legal, o Beto é bom de aspas". Bem, nem preciso dizer que isso só reforçou a minha vontade de largar a cartilha jornalística na porta e lançar um foda-se para as aspas. Por isso e como sempre, você vai ler essa entrevista mais como uma conversa curiosa sobre música e "Cinema" o novo álbum da banda, do que um entrevista-resenha do álbum. Se quiser mais, dá uma circulada nos maiores portais de música por aí (YES, you can!) tem uma infinidade de coisas legais sobre o assunto.

O resultado foi esse: Beto e Marcelo falando o que os incomoda no modo como ouvimos/sentimos/curtimos música hoje, as mulheres que merecem uma "homenagem" no rock e a vontade da banda de lançar remix dos seus sons por conta do Peu, da Goma. Espero que goste =)

Sobre "Cinema"

"Cinema" é space rock, é sonoplástico, é Stones, é Beatles, é rock and roll cru, é viagem, é dançante, é Cachorro Grande. Além de transparente quanto ao repertório musical da banda, tem a fórmula animada que sempre está presente nos álbuns dos caras com um plus perceptível de liberdade para criar em cada instrumento. A palavra chave foi experimentação e o capricho para gravar, mixar e encaixar os acordes de cada música fez toda a diferença no resultado final do álbum que levou um tapa do já conhecido produtor Rafael Ramos. Se não ouviu ainda, já está disponível no MySpace oficial. O show de lançamento vai acontecer nos dias 7 e 8 de agosto no SESC Pompéia, encontre mais informações aqui.

ENTREVISTA

Estefani: Além da gravação analógica, de poder mostrar outros lados da banda o que vocês mais curtiram fazer nesse álbum?

Beto: A gente gostou de trabalhar as músicas sem pressa, uma por dia. Gravamos uma parte em Porto Alegre e depois mais três dias no Rio de Janeiro. Conseguimos dar um tratamento especial para cada música e isso foi o que a gente mais curtiu. Isso ressaltou e fez com que cada uma soasse de uma maneira diferente dos outros discos e remetendo a outras sonoridades. Tipo o álbum branco dos Beatles (pelo o amor de Deus, não vá entender mal), mas cada música é uma música. Aquele disco do Led Zeppelin “Houses Of The Holy” ou no “Jardim Elétrico” dos Mutantes, cada música é uma música. E eu curto muito isso. Não é dar tiro para todo lado, é gostar de muitas coisas. E o legal é que no fim tudo acabou soando Cachorro Grande.

Estefani: Quanto a essa temática cinematográfica, o lance do efeito das gaivotas, o barulho do disco arranhando entre outras coisas. Vocês já haviam planejado? Já tinham essas idéias, ou rolou a inspiração na hora?

Beto: Essa parte das gaivotas era para lembrar o "Amarcord" do Fellini. A gente já tinha pensado nisso nas primeiras demos, numa fita caseira. O resto da sonoplastia, um ventinho aqui, um barulhinho ali a gente foi fazendo e achou que tinha cara de cinema, o Marcelo queria que o álbum tivesse esse nome desde o começo e nos últimos dias de ensaio ele estava meio (fazendo sinal de bebida) no estúdio e disse “vai ser Cinema” e foi Cinema. Pronto. Todo mundo amou a ideia, daí pedimos pro Cisco Vasques fazer a imagem da capa e fechamos.

Estefani: Vocês lançaram o álbum primeiro no Myspace, qual a relação da banda com a pirataria?

Beto: A gente vem trabalhando com uma boa assessoria que atualiza nossos meios, estamos aprendendo a lidar com o twitter e deixamos o álbum disponível para download. O legal é que a galera conhece a música nova antes do show e antes do CD físico sair, isso nunca tinha acontecido antes. E muita coisa a gente tenta ver com o olhar do fã, acho que acima de tudo nós somos fãs de rock. Se tivesse isso nos anos 80 quando eu era uma criança, a oportunidade de acompanhar o dia-a-dia dos caras e todo esse universo por uma telinha, ia ser uma maravilha. Para conseguir um disco do The Who a gente tinha que se deslocar para a capital para comprar. Se alguém saia do país era “traz aquele do The Who que eu não tenho”. Hoje a minha filha vai numa página e baixa a discografia em cinco segundos.

Marcelo: É, se a gente gosta de encontrar coisas sobre nossos ídolos, também procuramos deixar material disponível para os nossos fãs.

Beto: A única coisa que eu encano é a seguinte: a qualidade com que ouvem o som. Nos preocupamos muito com a parte sonora no estúdio, ouve pelo menos em um fone bom. E outra coisa, ouvir enquanto faz outra coisa. A gente se preocupou em trazer uma caixa daqui de São Paulo para Porto Alegre que faz aquela diferença no som que você não vai perceber nas caixinhas do computador. A geração mais nova não tem mais o costume de parar e ouvir um som. Quando eu comprava um disco no centro, vinha para casa babando ele, curtindo a capa, chegava em casa, ouvia sentado. Ficava só ouvindo, chamava os amigos e fica só ouvindo o som. Hoje não tem isso, as pessoas fazem coletânea e não curtem isso. Quando um fã chega e fala “baixei o álbum e tô ouvindo no computador” é muito triste.

Peu: Acho que quem gosta de música acaba investindo para ter uma qualidade melhor no áudio.

Beto: Talvez a resposta certa é que cada vez menos as pessoas gostem de música.

Estefani: Vocês têm vontade de gravar no vinil? A gravadora de vocês comprou a fábrica agora, não é?!

Beto: O álbum vai sair em vinil, eles (a Deck Disk) compraram A fábrica. Agora vão lançar um tipo de selo e lançar algumas coisas, perto do natal vão rolar uns discos da deck e o nosso vai estar junto. É um sonho meu ter gravado analógico para sair em vinil, vai ser diferente. Tem banda gravando em ProTools [programa de edição] para lançar em vinil e é a mesma coisa de gravar do CD pro Vinil, além disso, também acaba virando um souvenir. Os discos novos vem em 180g, lacrados e com uma qualidade incrível. Essas bandas novas eu compro só em vinil, aproveito a internet assim. Vou lá e vejo: saiu o novo do Kasabian, curto, acho muito legal, vou no E-bay e peço o vinil. Um puta som. Não tem romantismo, a coleção que os Beatles lançaram em 2006/2007 é a melhor compilação dos Beatles que já existiu. As cápsulas de hoje são melhores, isso reflete muito no som, muita coisa hoje em dia melhorou. E lá fora eles nunca pararam de ser lançados.

Estefani: Qual a influência das mulheres no som de vocês? Qual a musa inspiradora da banda?

Beto: São várias. Patti Smith, mas mais a parte do "Radio Ethiopia" do que do "Horse". Os discos da Nico também, ela é minha maior ídola. Mariane Faithfull na década de 69. Quem não gosta da Chrissie Hynde do Pretenders? Naquela época era uma chapação. Quem nunca bateu punheta para ela? Se bem que essa parte não é tão musical. Já não bateria punheta para a Patti Smith, uma mulher que quer ficar parecida com o Keith Richards não dá. (risos)

Estefani: Você falou no blog da banda que é preciso ser verdadeiro e colocar a música no primeiro plano, o que você enxerga nos músicos de hoje?

Beto: Não generalizando, se você cavucar você vai encontrar umas bandas boas. Mas, acho que nessa fase atual, nunca teve tanta banda fake. Quatro caras bonitinhos que se juntam por causa das meninas. Não são quatro carinhas que ouviam música juntos na escola, sonhando que um dia iriam montar uma banda, que foram unidos pela música. Tem gente que a usa só como meio pra ficar famoso, só usa o rock como veículo, querem aparecer no jornal e ficar ricas. Se no meio do caminho ele achar que quer ser modelo, ele vira modelo, se acha que pode ser ator, vai ser ator. Nada ele vai fazer com amor. Por isso, cada vez mais tem bandas com carreiras meteóricas e isso não é bom. É importante saber usar a imagem, os Beatles e os Stones trabalharam isso bem. Quando chegou no New York Dolls já caiu um pouco. O Bowie [David Bowie] tem a fase meio batom, mas também é controlado. É legal um cara te olhar na rua e identificar: aquele ali tem uma banda. É ótimo que seja assim, mas o importante é não deixar o cabelo crescer antes de tocar guitarra.

Peu: Eu queria saber se vocês se interessam por música eletrônica, já ouviram, curtem?

Beto: Gosto muito. A primeira coisa que considero eletrônica é “Tomorrow Never Knows” [faixa do álbum Revolver dos Beatles] que é uma repetição em cima de um looping. O Pink Floyd no Dark Side [Of The Moon] gravado no Abbey Road também. Gosto do Can e do Kraftwerk que foram o início. Mas eu piro mesmo na parte do Bowie eletrônico em Berlim, que considero o auge da música eletrônica puxada pro rock. Muito bom gosto e também porque depois em 98 e 99 contribuiu para que o Prodigy e o Chemical Brothers estourassem, que eu acho genial. Tem coisa boa, mas como qualquer outro gênero tem coisa ruim. Não gosto de DJ’s que compõem musica pra tocar em boates específicas e sim compositores que usam os recursos da música eletrônica. E eu acho do caralho. No disco anterior a esse, tem uma bateria eletrônica a partir de uns samplers nossos. Já nesse, na música “A Voz do Brasil” a gente fez uns loopings eletrônicos, gravou, tirou os graves dela e montou um looping em cima daquilo, acaba sendo uma bateria eletrônica só que tocada, com o samplier por baixo e ele tocando normal por cima. Coisa que o Chemical Brothers faz também e eu sou apaixonado. O último do Prodigy é uma paulada ["Invaders Must Die"]. Gosto do que o Chemical Brothers faz com os singles do Oasis, do Supergrass e do Bowie porque os remixes são lado B. Eles pegam aquela coisa que o Kraftwerk criou nos estúdios de Berlim em 77.

Beto: O Marcelo também gosta. Ele não é uma múmia country. (risos)

Marcelo: Eu gosto também, principalmente de Prodigy e Chemical.

Peu: Daft Punk também?

Beto: Também, mas não comprei o disco e parei para ouvir.

Marcelo: Tem um disco maluco de música eletrônica de um cara que remixou o Álbum Branco com as músicas dos Beatles [The Gray Álbum do Danger Mouse] , é fantástico e compensa ser ouvido.

Peu: Tem várias bandas como U2 e Lenny Kravitz no exterior que estão criando costume de lançar as músicas em remix, vocês fariam algum? Podemos esperar remixes de vocês?

Beto: Claro que sim. Só que a gente não acha um cara para fazer.

Peu: Tem um cara que remixou o Arnaldo Antunes [Killer On The Dancefloor], a pedido do Arnaldo e ficou muito legal.

Beto: Acho que o Edu K também tem embasamento para fazer uma coisa legal, meio anos 80.

Peu: Tem várias músicas que dariam remixes ótimos, por causa das batidas.

Beto: “A Hora do Brasil” e a música que é single “Dance Agora” dariam ótimos remixes. A minha vontade era dar uma música para cada DJ e fazer um álbum de remix. Estilo Danger Mouse, uma coisa pronta pra tocar na balada.

Peu: Eu adoraria tocar uma música de vocês na balada.

Beto: Tá dada a dica.

Estefani: Como rolou o Oasis?

Beto: Se você me perguntar daqui alguns anos vou saber te responder, agora ainda estou meio desnorteado com o que aconteceu. Nosso empresário já sabia, escondeu da gente cinco dias.

Estefani: Eles ficaram pra ver o show?

Beto: Sim, e eu estava mais nervoso com eles ali do lado do que com as 10 mil pessoas a nossa frente, uma hora fui tomar uma água e o Sergio [empresário] estava lá e falou “tu viu quem tá ali?”. Eu nem olhei mas pedi pra ele falar e ele respondeu “Liam Galagher”. Meu ídolo cara, sou fã dele. Dele e de todos os caras bons da nossa geração o Oasis, o Supergrass.

Estefani: Qual o sonho de vocês depois disso?

Beto: Talvez eu corte meu pinto (hahahaha, brincadeira). Ver o Paul, né?!

Marcelo: Depois que já assisti um show do Paul e do Neil Young tenho que me cuidar. Dá pra morrer já.

Peu: Vocês já pensaram em tocar no Coachella, Glastonbury, esses grandes festivais?

Beto: Claro. Mas, a gente não tem tempo. Não somos nem tão grandes como os Titãs que podem viajar e tocar e nem o Garotas Suecas que fazem um show por mês o resto do tempo lá tentando.

Teaserzinho de lançamento de Cinema:

Para o Mundo Rock de Calcinha e também publicada na Goma.
Fotos: Cal Crepaldi, mais imagens da entrevista aqui.

Um comentário:

Marcelo Fabri disse...

A entrevista ficou bem gostosa de ler. Também me deu algumas informações importantes. Vou começar a ler a Goma por sua causa.
Marcelo